Temos de dar responsabilidade e poder aos órgãos dirigentes das escolas para gerirem os seus agrupamentos e tomarem as opções de gestão que melhor servem os interesses da sua comunidade educativa.
Iniciamos por estes dias mais um ano letivo, nos tempos definidos pelo Ministério da Educação, à semelhança dos anteriores. Ao contrário do que disse o Senhor Ministro da Educação, inicia-se no mesmo mês de calendário dos últimos anos, podendo haver diferença de uma semana sem, no entanto, deixar de ser um período de indefinição para milhares de professores que aguardam até ao fim do mês de agosto pela “sorte que lhes sai”. Ora, o que realmente dita a abertura do ano letivo é o mesmo sistema centralista, burocrático e irracional de colocação de professores que ao longo dos anos fomos mantendo, com mais ou menos autonomia das escolas, consoante os governos se foram revessando.
Estamos a discutir, mais uma vez, a descentralização de competências na área da educação, do governo central, neste caso Ministério da Educação, para o governo local, que são os municípios. Nesta matéria sempre fui um defensor de que o poder deve estar o mais perto dos cidadãos e, por conseguinte, apoiante desde a primeira hora da desconcentração do poder de decisão para as esferas mais próximas dos interessados.
Quando na década de 80 do século passado se entregou aos municípios a gestão das escolas do primeiro ciclo e os jardins-de-infância, bem como a gestão do pessoal não docente desses estabelecimentos, foi notória a melhoria do sistema em benefício do serviço prestado a esses alunos. A proximidade dos pais e encarregados de educação, bem como dos órgãos de gestão das escolas ao poder local, exigiu um novo olhar por parte dos executivos municipais. Hoje, à exceção da grande Lisboa e de alguns casos no Porto, a rede do pré-escolar e primeiro ciclo é abrangente e de qualidade, quer nas suas instalações quer nos recursos humanos, satisfazendo, globalmente, as necessidades da comunidade.
Em 2008, foi iniciado um novo processo. Neste caso de descentralização ao nível do 2º e 3º ciclo, sendo que pouco mais de uma centena foram os municípios que aceitaram este desafio, e muitos devolveram, passados poucos anos, as competências recebidas por Contrato de Execução. Este processo não foi, assim, coroado de sucesso como tinha sido aquando das transferências do 1º ciclo e Pré-escolar.
Uma nova experiência foi realizada durante a vigência do Governo de Passos Coelho, com a celebração de pouco mais de uma dezena de Contratos Interadministrativos, depois de um apurado processo de negociação e auscultação dos parceiros e só nos casos em que foi aprovado nos órgãos das escolas. Este projeto ainda está a ser desenvolvido, havendo apenas avaliações intermédias, mas que já permitem perceber que o processo e a execução do contrato estão a ser avaliados positivamente.
Neste momento discute-se a transferência, por mero efeito da lei e sem que tenham sido envolvidas as partes mais diretamente interessadas, das competências do 2º, 3º e secundário em matérias de equipamentos e pessoal não docente, do Ministério da Educação para os municípios. É um processo já marcado por indefinições e atrasos, em si mesmo centralista e que tendo levado inúmeras Assembleias Municipais a aprovar deliberações de rejeição.
A experiência dos Contratos Interadministrativos leva-me, hoje, a ter a forte convicção de que a maioria destas competências deveria ser transferida, por via contratual, num necessário engajamento com quem, realmente, está no terreno, para os agrupamentos de escolas, ao invés de serem transferidas para as Câmaras Municipais.
Entre 2008 e a atualidade, a rede de escolas e a sua organização sofreram muitas alterações positivas. Desde logo, com a redução a cerca de um milhar de unidades orgânicas, denominadas de agrupamentos de escolas, sendo atualmente muito residual o número de escolas não agrupadas. Adquiriu-se, assim, dimensão com a verticalidade dos agrupamentos. Esta alteração deu dimensão aos agrupamentos que lhes permite hoje ter, além das questões em matéria pedagógica, uma escala de gestão adequada para, com todas as condições, receberem muitas das competências que se prevê passar para as autarquias.
É altura de se dar autonomia às escolas para a sua gestão, para poderem fazer as suas escolhas e serem responsabilizadas pela sua administração e resultados. Não se percebe o porquê de uma organização que tem largas dezenas de funcionários não poder ser ela própria a gerir os seus recursos humanos, a celebrar os seus contratos de acordo com aquele que é o seu entendimento das suas necessidades, a deter o poder de direção sobre eles, bem como o poder disciplinar.
Temos que ter a coragem de dar responsabilidade e poder aos órgãos dirigentes das escolas para gerirem os seus agrupamentos e tomarem as opções de gestão que melhor servem os interesses da sua comunidade educativa. Ousemos dar esse passo e este processo de descentralização deixará de ser, assim, um simples passar de responsabilidades do governo central para o local, quantas das vezes, prevejo, sem o correspondente envelope financeiro adequado.
As escolas precisam dessa deslocalização de poder, por forma a darem as melhores respostas às cada vez maiores solicitações por parte da sua comunidade educativa.
Membro do Conselho Nacional de Educação
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.